O Brasil vem
apresentando reconhecidos avanços sociais nos últimos anos. A terrível exceção
é a segurança pública, que só piora.
A saúde está
ainda longe do desejável, mas vem melhorando. E foi alvo de medida estrutural inovadora,
que aumentou drasticamente a presença de médicos nos postos distantes dos
grandes centros urbanos.
O mesmo se vê
na educação, que agora vê aprovado o seu Plano Nacional, com enormes avanços, alguns
também radicalmente inovadores.
E virão, para esses
dois setores, investimentos bilionários oriundos do petróleo do pré-sal.
Isso é
totalmente correto. São temas de prioridade absoluta. Há grandes progressos também
em vários outros.
A epidemia de
violência que assola o País é igualmente uma prioridade urgentíssima. Muitos brasileiros
a colocam como sua primeira preocupação.
A segurança
pública é a única área cuja regulação constitucional em 1988 manteve intacta a
herança da ditadura. Daí que seus paradigmas vigentes são os mais anacrônicos e
incompatíveis com o Brasil – e o mundo! – de hoje.
Porém, exatamente
nessa área não existe inovação à vista.
É clichê mas é
verdadeiro: os índices são de uma guerra civil. E se agravam todo dia.
Mas, quando se
trata de encontrar um caminho para reverter isso, tudo o que se vê é a
repetição das mesmas medidas de sempre, que jamais deram resultado algum. Mais
do mesmo! Talvez com outro nome, outra cor, mas sempre o mesmo.
Ora, não se
pode colher laranjas plantando maçãs!
O momento é de
eleição. Costuma-se associar segurança pública ao governo dos Estados. Isso porque são eles que comandam as polícias; e o senso comum, de forma equivocada, resume a
questão a elas.
Todos os
aspectos envolvidos na (in)segurança pública carecem de uma abordagem
inovadora. Algo que seja diferente do que até aqui se fez, sem resultado.
Mas fiquemos
apenas em um deles: a polícia. Isto porque estamos hoje em plena campanha para
escolher quem será o(a) seu(sua) chefe a partir de janeiro próximo.
Segundo
pesquisas recentes, quase ninguém no Brasil confia na polícia. Mas já sabíamos
disso. Constatamo-lo simplesmente conversando com as pessoas que nos rodeiam.
O nosso modelo
policial é ineficiente, ineficaz e improdutivo. É ao mesmo tempo vítima e
cúmplice de uma absurda cultura da violência, que estimula o confronto físico
como método de resolução de conflitos e pacificação social.
Ele ajuda a
fechar o círculo vicioso que nos vitima a todos. Não importa mais saber onde
começou, mas que esse começo – uma violência qualquer – recebeu uma retaliação da
mesma natureza, a qual foi seguida de outra, gerando uma espiral sem fim.
Interromper
esta última, e assim desativá-la, não é necessariamente um interesse de quem se
encontra do lado de lá da lei. Mas é, com absoluta certeza, interesse da
sociedade.
A única alternativa
à cultura da violência é a cultura da paz.
Cumpre a nós, portanto,
tomar a iniciativa de romper o círculo no qual violência só gera mais
violência, e iniciar, efetivamente, o da cultura da paz.
Cabe lembrar
que a polícia é o órgão constituído por essa mesma sociedade justamente para
isso: induzir a paz pela resolução dos conflitos.
Mas, hoje tão
falada, a cultura da paz não passará de um conceito vazio enquanto a polícia agir,
como hoje o faz, exatamente em sentido oposto. E, pior, menosprezá-la, entendê-la
como inaceitável demonstração de fraqueza.
Esse nosso
modelo policial, herdado da ditadura, é único no mundo. Uma jabuticaba. Só tem
aqui.
Nele é
impossível a um profissional iniciar por baixo e chegar ao topo. Isso vai
contra o bom senso vigente em qualquer organismo (público ou privado) em todo o
mundo! No caminho, os melhores, claro, se desmotivam e vão embora. E quem
comanda nunca trabalhou na base.
Nele, a função
policial – investigativa, na essência – se mistura com atribuições jurídicas,
gerando profissionais que não são nem uma coisa e nem outra, mas que comandam
policiais que muitas vezes já exerciam sua profissão antes mesmo de eles
nascerem! E a investigação propriamente dita termina por se transformar em burocracia
e papelório. Ao invés de operacional, é ineficientemente cartorial.
Nele, há uma
polícia – cuja função, em qualquer país civilizado, é a de pacificar conflitos
– concebida, criada e treinada para a guerra! Uma polícia que copia o exército
e, portanto, é incapaz de ver na população seu cliente, seu criador, o
destinatário de seu serviço, mas sim um inimigo a derrotar. E, condicionada
pela cultura da ditadura e pela doutrina militar, faz isso com enorme
convicção! Uma polícia na qual a humilhação da base pela cúpula é a regra, que
essa base, natural e inevitavelmente, tende a reproduzir no contato com a
comunidade.
Nele existem
duas polícias, cada uma encarregada de metade de um mesmo trabalho. Elas, como
nem poderia deixar de ser, não conseguem trabalhar em conjunto. Competem entre
si Brasil afora. Não se gostam nem se respeitam. Desprezam-se.
E dentro de
cada uma delas a cúpula despreza a base e é por esta odiada.
Como esperar
que a tarefa única da qual são encarregadas seja bem executada?
Nossa polícia
é, portanto, criminógena. Não apenas não combate efetivamente a criminalidade,
contribuindo para a queda dos seus índices, como ainda atua em sentido
contrário; ou seja, pela prática sistemática da violência, como método de
combate à própria violência, ela colabora para o seu agravamento.
Esse é o círculo
que a nós, sociedade, compete romper. É nossa tarefa tomar a iniciativa, impor
medidas radicais, inovadoras, que desativem esse mecanismo perverso. Até porque
somos nós, a sociedade, quem originariamente outorga à polícia o poder do uso
da força. Mas para nos proteger, não para nos atacar! Para fazê-lo de modo
legal, ponderado, racional! E não arbitrário, ilegal, ilimitado, como infelizmente
se tornou comum.
O Estado e,
nele, os Governadores, representam formalmente a sociedade. Os aspirantes ao
cargo estão agora mesmo aí, nas ruas, a apregoar isso. Um deles vai conseguir.
E vai comandar as polícias. Em nosso nome.
Pois bem. Eis essa
sociedade:
Quase ninguém
confia na polícia. Há, inclusive, um grande número de pessoas que não gostam da polícia.
Mais de 70% dos
policiais militares de base são a favor da desmilitarização da PM. Aproxima-se
de 100% o número de policiais civis, não delegados, contrários ao modelo
cartorial de seu trabalho. Ora, há muito mais policiais nas bases do que nas
cúpulas.
Entre eles é também
esmagadora a maioria favorável a uma polícia única, civil, de ciclo completo, e
com carreira única.
Tudo ao
contrário do que é.
Os maiores
estudiosos do Brasil no tema, mesmo quando filiados a correntes políticas
distintas, pensam da mesma forma. E já o manifestaram publicamente, mais de uma
vez.
Há um consenso,
portanto, entre leigos, técnicos e acadêmicos: são necessárias – não apenas na polícia, mas também na polícia – reformas radicais,
estruturais. Corajosas. Inovadoras. Como as tantas que vêm pautando outros
temas no Brasil, os quais, por isso mesmo, avançam, ao contrário deste, que só
recua.
No entanto, o
que dizem os que, com mais chance, pretendem representar a sociedade no Governo
do Estado do Paraná, quando se trata de segurança pública?
Beto Richa :
"Reforço ainda maior da Segurança, com aumento do efetivo e sua
valorização, reestruturação de unidades e uso intenso de inteligência" (disponível
aqui).
Gleisi Hofmann:
"Integrar ações das instituições de segurança. Funcionamento 24 horas de
delegacias ligadas a sistemas de câmara/rastreamento/informação" (disponível aqui).
Roberto Requião:
"Construir novas penitenciárias e delegacias, investir no policiamento
comunitário, investir em inteligência e reequipar as Polícias" (disponível aqui).
Cadê a reforma,
tão necessária, e tão desejada? Cadê ao menos a coragem de falar em medidas mais estruturais?
A sociedade anseia
por elas. Os operadores de segurança e os estudiosos, também. Então, com
certeza a omissão não pode se dever a receio de prejuízo eleitoral. A que
atribuí-la, então?
Com todo o
respeito, as propostas enumeradas são um repertório de generalidades, de superficialidades.
Repetições que já cansaram de se provar inócuas. Parece que os candidatos não
se deram conta de que existe uma emergência que atinge as pessoas no que
possuem de mais valioso, e, por isso, as aflige e desespera todos os dias. Um problema tão grande que a rigor empalidece
de forma significativa todos os avanços obtidos pelo País em outras áreas.
Na África,
diante da gravidade representada pela atual erupção do vírus Ebola, a
Organização Mundial da Saúde tomou uma medida inédita em toda a sua história, e
absolutamente contrária às suas normas mais rigorosas: autorizou o uso de
medicamentos experimentais ainda não suficientemente testados. Para crises extraordinárias,
soluções extraordinárias.
Guardadas as
devidas proporções, a epidemia de violência é o Ebola brasileiro. Mas a
depender dos nossos principais candidatos a Governador, ele será tratado com
aspirina.